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Um dos raros carros ainda em uso, num flagrante fotográfico próximo a Feira Central de Campina Grande |
Desta vez o post não se
trata de um veículo motorizado, mas, de um veículo de propulsão humana que
foi muito popular entre os feirantes, pequenos produtores rurais, comerciantes
e artesãos na utilização de pequenos carretos em algumas regiões nordestinas; um carro de mão artesanal, típico do Nordeste que, pelo menos até década de 1980, teve grande importância em cidades do interior
nordestino, com destaque para a cidade de Campina Grande na paraíba, onde a
presença desses carrinhos em ruas e feiras era facilmente percebida.
CONSTRUÇÃO RÚSTICA E CONCEPÇÃO INTELIGENTE
Construído artesanalmente em
madeira, incluindo suas quatro rodas maciças revestidas com cinta de borracha,
o carrinho tem uma pequena carroceria que lembra as de caminhão e, na parte
traseira, uma plataforma com um volante e pedal de freio que permite a
condução embarcada do condutor, na posição de pé, quando não estiver o
empurrando.
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Sua concepção permite um
alcance em distância bem superior ao com carrinhos comuns, graças a
redução do esforço físico desprendido. Essa redução permitida pelo carrinho tem
vários fatores conceptivos, começando pela utilização de quatro rodas, que
livra o condutor de ter que apoiar parte do peso da carga enquanto o traciona.
Outro fator é a utilização do sistema de freio de fricção que reduz o esforço
do condutor para desacelerar, parar ou controlar a velocidade do carrinho em
descidas. Já a plataforma traseira, onde estão os controles de freio e direção,
permite que o condutor descanse as pernas enquanto guia o carrinho numa ladeira
abaixo ou mesmo aproveitando um embalo numa reta.
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Detalhes de construção do carro com destaque para as molas de suspensão e sapatas de freio de fricção |
Completando os diferencias,
o carrinho possui molas de suspensão no eixo traseiro, melhorando o conforto e
a dirigibilidade, principalmente quando o condutor estiver embarcado.
MINHA CONVIVÊNCIA COM ESSA ENGENHOCA
Nascido em Campina Grande na
década de 1960, vi muitos desses carrinhos cruzando as ruas do meu bairro. Sendo
empurrados vagarosamente ladeira acima por seus condutores ou, por outra, quando
no sentido em que todo santo ajuda, ladeira abaixo, passarem em
desabalada carreira, pilotados por seus sorridentes e festivos condutores enquanto
a gravidade se encarregava do movimento acelerado.
Por vezes, ajudei um senhor
que era flandileiro a vencer uma daquelas íngremes ladeiras próximo a
minha casa, empurrando seu carrinho carregado de latas vazias, daquelas de 50 litros, num empilhamento
de mais de metro e meio. Não lembro mais o nome do flandileiro, mas, era um
senhor bem popular no bairro. Em sua pequena oficina, as latas descartadas
que coletava eram transformadas em calhas de bica, bacias, candeeiros e outras
peças assim. E era um desses carrinho que garantia a coleta.
Deixei a convivência diária com minha cidade no segundo ano da década de 1980,
tendo morado por 33 anos em outras cidades. Fui percebendo o sumiço gradativo
dos simpático carrinho em minhas viagens de visita aos familiares. Quando voltei
a residir na minha cidade berço, menos de dois anos atrás, trouxe o interesse de
investigar um pouco da história do carrinho.
Em buscas na Internet só
encontrei breves referências como comentários e registros fotográficos de sua presença
nas ruas das cidade. Mas, queria saber mais sobre sua história, pois além
de achá-lo muito engenhoso, desconfiava que era uma criação da nossa
região, nunca vi nenhum além de nossas divisas.
BUSCA PELA IDENTIFICAÇÃO DA ORIGEM
CRIAÇÃO A PARTIR DE UMA NECESSIDADE BÁSICA - TESTEMUNHO DE UM ARTESÃO
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O artesão Milton em seu atelier na Vila do Artesão um apreciador e divulgador da cultura local |
Para escrever este post, comecei seguindo a informação de um amigo de que havia visto miniaturas do Carrinho de Mão num dos ateliers da Vila do Artesão, em Campina Grande. Lá encontrei o Sr.
Milton Gomes Barbosa, artesão estabelecido no box atelier 56, ao meu ver um guardião da cultura popular local.
Conversei com Milton por um bom tempo a respeito do carrinho sobre vários aspectos, além de comprar duas das miniaturas produzidas por ele. O artesão me relatou dois testemunhos importantes. O primeiro em relação quanto a concepção do modelo, afirmando que foi inventado nas redondezas de Campina Grande. Disse que desde criança ouvia de seus avós e outras pessoas próximas que esse modelo de carro foi criado por um agricultor que precisava
transportar água potável desde Campina Grande até sua propriedade situada no Sítio Lagoa de Dentro, Localidade de São José da Mata, num trajeto de mais de 20 km. E, por não possuir animais de tração para essa tarefa, aquele agricultor teria desenvolvido o rústico e eficiente
modelo, provavelmente na década de 1930. Época em que o atual Açude Velho
era a principal fonte de água potável da cidade de Campina Grande e, também, de
várias cidades circunvizinhas. Um tempo de água não saneada e da figura dos agueiros,
homens que transportavam água em lombos de burros ou em carros de bois, os chamados "Agueiros".
O
segundo testemunho de Milton Barbosa foi de que após décadas
de popularidade nas cidades do nordeste brasileiro, onde vem caindo em
desuso nos últimos anos, recentemente o modelo nordestino despertou
interesses além mar e vem sendo difundido na África com boa aceitação. O
artesão ficou sabendo ao assistir uma matéria televisiva de que o
"Carro de Mão Agueiro da Borborema" teria sido copiado e adotado na
África a partir de modelos que circulam na cidade paraibana de
Itabaiana. Ele não conseguiu lembrar mais detalhes nem o canal ou
programa que veiculou a matéria.
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Miniatura feita por Sr. Milton e vendida em seu atelier |
EXISTÊNCIA NO CEARÁ DESDE A DÉCADA DE 1930 - TESTEMUNHO DE UM VETERANO
Outro testemunho de alguém muito próximo a mim, meu pai, Heleno Rodrigues, deu conta de que na década de 1930 esse carrinho de mão já era relativamente comum no estado do Ceará. Pois, lembra que quando criança e que morava na cidade de
Santa Rita, na Paraíba, em um ano de forte seca, provavelmente em 1939,
via passar pela autoestrada diversas famílias de retirantes vindas do Ceará transportando
mantimentos, pertences e até crianças pequenas nesses tipos de carro.
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Heleno Rodrigues, testemunha da popularidade dos carrinhos carros de mão nordestinos desde a década de 1930 |
Ele acrescentou ainda que os carrinhos de mão também eram utilizados por devotos do Padre
Cícero para se deslocarem em romaria com toda a família até a cidade do
Juazeiro do Norte, geralmente cobrindo centenas de quilômetros. Fato testemunhado por ele, algumas vezes, quando, já adulto, viajava de automóvel pelas estradas do estado do Ceará, algo frequente vez que como empresário do ramo de fundição e metalurgia era fornecedor de máquinas e serviços em vários estados do nordeste. Também afirmou que este uso era bastante comum, ao ponto de muitas pessoas denominarem o típico carro de mão nordestino de Carrinho de Mão de Romeiro.
DENOMINAÇÃO INEXATA
O carrinho padece de um
nome de batismo único, muitos o chamam apenas de Carro ou Carrinho de Mão, mas esse é um nome muito
genérico para designar um carrinho tão engenhoso e de concepção singular.
Durante minhas pesquisas na
Internet, no único site que encontrei referências sobre o carrinho,
"Retalhos Históricos de Campina Grande", o autor do post também o denomina
o carrinho apenas de "Carro de Mão", entretanto o trata carinhosamente como "Engenhoca" - gostei tanto da designação secundária que resolvi incluí-la
alternadamente com outras ao longo deste texto.
Esclareço que denominação utilizada no
título deste post - Carro de Mão Agueiro da Borborema - não é usual. Foi livremente
empregada por mim neste post por não haver encontrado um nome com identificação convergente. A inspiração me veio das narrativas de sua concepção feitas pelo Milton. Entretanto, corro o risco de ter que rever o título do post, pois, como visto no depoimento de meu pai, há a possibilidade do carro de mão nordestino ter sido criado no estado do Ceará, ou até mesmo ter outra origem.
Verdade é que esse carrinho se difundiu muito pelo Nordeste e sendo um invento que só foi produzido artesanalmente pode ter várias denominações locais. Da mesma forma, pode haver atribuição do invento a pessoas que na verdade foram pioneiras em sua localidade na reprodução do carro quando ainda era pouco difundido.
A BUSCA PELA ORIGEM CONTINUA
Não
dei minha busca por encerrada. Continuarei pesquisando o assunto e sei
que terei muito trabalho pela frente na tentativa de encontrar o local onde foi criado e o nome do criador. Até o momento em que encerro esse post tenho dois testemunhos confiáveis que apontam para diferentes locais onde o carrinho foi concebido, um aponta para os arredores de Campina Grande na Paraíba, outro deixa uma forte desconfiança de que tenha sido no vizinho estado do Ceará. Assim, continuo a buscar relatos pessoais e ou referências textuais que possam atestar a origem destes carros de mão. Tentarei ouvir alguns populares que ainda os utilizam na exploração de
pequenos carretos e velhos artesãos que produziam o "Carro de Mão Agueiro da
Borborema". Os resultados das buscas
estarão no próximo post. Também conto com possíveis informações dos leitores do
blog que possam ampliar nossa linha de busca.
Fechando esta primeira parte da matéria, seguem alguns registros fotográficos que encontrei na Internet e, um deles, no livro Cores da Feira, de Roberto Coura :
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O carro de mão sendo utilizado para carreto na feira de Campina Grande - Fonte: Livro Cores da Feira; Roberto Coura |
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Registro do uso em carretos na Feira Central de Campina Grande - Fonte: Site Vitruvius |
lindo trabalho e acho incrível a criatividade deste povo ,estou procurando por fotos de carretos de feira anos 80 caixote de tv com rolemã as crianças transitavam livremente transportando as compras e nao existe uma foto na rede se achar comparilhe abraços
ResponderExcluirPrezado Marcos Daniel,
ExcluirEstou a procura de imagens dos carrinhos de frete que citou, se encontrar compartilharei, sim.
Obrigado por sua visita.
Saudações
Resgate histórico: Carrinho de Frete, raridade atualmente nas feiras livres.
ResponderExcluirAgradecemos pelo acesso e devidos créditos ao conteúdo disponibilizado no BlogRHCG. Grande abraço!!
ResponderExcluirEu encontrei essa matéria após receber a foto de um carro desse feito pelo meu compadre que trabalhou com esse tipo de carro,vendendo bolo nas ruas de Campina Grande há muitos anos atrás,a ideia de fazer o carro surgiu no começo da quarentena,como forma de passa tempo,hj o meu compadre mora em São José dos Campos SP e já tem mais de oitenta anos.
ResponderExcluirObrigado pelo seu testemunho, Gersoni
ResponderExcluirSou fã desses carrinhos. Espero em breve estar publicando a segunda parte desse post
Sou de S.Luis,mas fui estudar em Campina e e morei p/ 2 anos (1986/87) no início da feira, esquina c/ a av.Canal,na Rua dr.Carlos Agra ( em 1 prédio anexo ao armazém "O Borbäo" e via diariamente esses carrinhos q,pra mim, eram novidade.Vi mts descendo em velocidade pela Floriano Peixoto rumo â feira.Como tinha q cortar caminho p/ feira até chegar â Faculdade de Direito, observava bastante td em volta e esses carrinhos me chamavam mta atenção,pois tinham volante,molas,pedal de freio e,principalmente,,s/ nenhum exagero,levavam a carga de uma camionete ou até mais q isso.
ResponderExcluirQue bom receber este seu testemunho. Isso mesmo, feirantes conseguiam transportar muita mercadoria nesses carrinhos.
ExcluirSou de Cajazeiras (PB), escrevi um artigo sobre os chapeados da minha cidade anos 60 e citei que esses carros era utilizados na entrega de mercadorias da cerealistas, mercearias e bodegas. Legal
ResponderExcluirJosé Pereira, interesssante, os chapeados eram figuras bem populares nos anos 60/70. Se teu artigo tiver na Internet, posta o link aqui, se puder.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.